Acredito que um dos diagnósticos que mais fascinam nós, ultrassonografistas, é o Dioctophyma renale! Quem não pegou um ainda, certamente quer pegar. Confesso que diagnosticar esse parasita na ultrassonografia dá uma certa emoção, principalmente nas primeiras vezes que o encontramos.
Para quem não sabe, este é o maior nematódeo que pode parasitar os nossos pacientes, podendo atingir até 100cm e não por acaso recebe este nome, por ter um tropismo em parasitar o rim direito, e crescer comendo o seu parênquima, até este se resumir apenas na cápsula renal.
Como o rim contralateral hipertrofia de maneira compensatória, geralmente não temos manifestações clínicas importantes referentes a lesões renais, uma vez que o rim saudável preserva suas funções.
ultrassonografia e localização
Os achados ultrassonograficos que caracterizam este parasita estão relacionados principalmente à sua forma. Como nematódeo que é, apresenta formato cilíndrico e bastante alongado, geralmente com grandes dimensões.
Podemos caracterizá-lo como uma estrutura tubular, de dupla parede hiperecóica e de aspecto flexível. Seu diâmetro é variável mas quando adulto mede em torno de 1,0cm. O comprimento geralmente não é mensurável devido a apresentar-se enovelado (enrolado). Quando parasia o rim, tende a destruir todo o parênquima e ficar flutuante no líquido intracapsular.
Não há um consenso consolidado sobre seu ciclo dentro do organismos dos mamíferos, pois com o avanço da medicina veterinária, dos meios diagnósticos, das intervenções cirúgicas e dos dados epidimiológicos (que incluem todos estes fatores citados mais dados de necropsias de animais domésticos e selvagens) o parasita começou a ser encontrado em topografias não habituais à relatada em seu ciclo. Dentre estas topografias, podemos citar parênquima hepático, testículo e bolsa escrotal, ovário e útero, tecidos subcutâneos e até mesmo espaço extradural (SNC). Ocasionalmente é encontrado na cavidade abdominal, seja por "ciclo errático" ou por rutura da cápsula renal.
Em todas as localizações, as características ultrassonográficas são semelhantes.
Em 2016, Back et al. publicou a localização de um parasita no espaço extradural toracolombar, promovendo compressão medular e sintomatologia nervosa em um paciente. A compressão medular foi diagnosticada através de tomografia.
os dioctophymas que já peguei
Em doze anos de formado, peguei seis pacientes parasitados (média de um diagnóstico a cada dois anos realmente torna esse um diagnóstico incomum, mas percebam que, raro não). De todos eles, nenhum tinha sinais clínicos de parasitismo e obviamente, chegaram sem essa suspeita clínica.
O primeiro foi durante a primeira aula prática que eu estava auxiliando em um hospital escola do qual fui contratado no meu primeiro ano de formado (Hospital Veterin ário da Anhanguera), sim, foi um desafio diagnosticar: nunca tinha visto imagens do parasita, nunca havia acompanhado um caso e estava rodeado de alunos ávidos para que eu ensinasse sobre a piometra que a paciente, também tinha.
A partir dessa paciente, fizemos um estudo no bairro que ela residia (Parque do Lago, em Dourados/MS). Realizamos ultrassonografia em praticamente todos os cães do perímetro em torno do lago e não encontramos mais nenhum parasita.
O segundo foi em uma loba-guará, no primeiro ano de residência na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT-Cuiabá/MT) - este inclusive foi o tema do meu TCC na residência. Ela vivia no Zoológico que era mantido pela universidade, mas era proveniente de vida livre, onde provavelmente veio a infecção. O hábito alimentar dos lobos-guarás o tornam hospedeiro definitivo com certa frequência entre os animais silvestres.
A terceira paciente era uma Chihuahua atendida no Prontovet (Campo Grande, MS), com histerocele: o corno uterino direito protuía para o espaço subcutâneo através de uma hérnia inguinal, e dentro desse corno uterino pude observar discreto conteúdo anecóico fluido e ao menos dois parasitas diminutos ali. Após cirurgia levei os parasitas ao Laboratório de Parasitologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso de Sul) onde confirmaram serem larvas do D. renale!
Depois deste, os casos foram mais comuns, sempre parasitando o rim direito, com hipertrofia do rim contralateral.
Quando o parasita está nos rins, pode ser possível que ovos sejam indentificáveis no sedimento urinário, sendo assim, recomendo essa avaliação para auxiliar no diagnóstico.
e no laudo
Em topografia de rim direito observa-se estrutura tubular, de dupla parede hiperecóica, medindo 1,0cm de diâmetro, aspecto flexível e com distribuição enovelada, envolta por material anecóico circundado pela capsula hiperecóica (cápsula renal) - imagens compatíveis com parasitismo renal direito por Dioctophyma renale.
Se encontrar em outra topografia, é só mudar a localização da descrição, mas o aspecto do Dioctophyma renale geralmente é semelhante.
e novidades sobre esse vermezinho?
Os estudos sobre o Dioctophyma renale continuam. Nosso colega Santhiago Daniel Benitez del Puerto (@ecobdp), do Paraguai, tem tido uma rotina relativamente grande desse parasita, com vários casos de ciclos erráticos e inclusive casos em que foi possível fazer a sexagem do parasita! Os trabalhos com esses resultados estarão disponíveis em breve.
Enquanto isso, na Argentina, o professor Marcos Butti é fera e tem até um perfil no Instagram (@drenale) com várias informações sobre o D. renale. Um dos seus trabalhos, em andamento, é mapear geneticamente o maior número possível de parasitas.
Muito grato pelas informações 🙏... Parabéns continue publicando seus achados em sua