Aquele paciente felino que chega com a solicitação de exame, onde no histórico esta escrito "obstrução uretral" faz parte da rotina de todos nós ultrassonografistas. Nós sabemos que a ultrassonografia neste caso não é o procedimento que deve ser priorizado, e sim a desobstrução.
emergência!
Bom, se o clínico não sabe disso, nós devemos saber: obstrução uretral é uma emergência, e deve ter atendimento priorizado. "Doug, quer dizer que se chegar um paciente com essa suspeita, eu posso passar ele na frente dos outros?" Não só pode como deve! Pois se este paciente vier a óbito sem atendimento priorizado, a responsabilidade pode cair em quem negou esse atendimento de emergência. Então sugiro que pense nisso com muito carinho.
Além da azotemia, o gato obstruído comumente apresenta acidose metabólica, desidratação, hiperfosfatemia, hipocalemia e hipercalemia, sendo essa a principal causadora de óbito destes pacientes. Isso quer dizer que, na verdade, antes de ser encaminhado para ultrassonografia, a correção clínica destas condições deve ser realizada, inclusive a descompressão urovesical, seja por sondagem uretral ou cistocentese de alívio.
antes de tudo
Precisamos falar alguns aspectos clínicos. Seguramente, os machos compreendem a grande maioria da nossa casuística, porém ambos os sexos tem o mesmo risco para as formas não obstrutivas, e anatomicamente, sabemos que para as formas obstrutivas, os machos lideram a casuística.
Varias podem ser as causas para o aparecimento das alterações em trato urinário inferior dos felinos, e quando a causa esta ligada ao estresse, existe um índice de recidiva de 35% a 50% dos casos.
Os sinais clínicos mais comentados entre os tutores são lambedura da genitália, hematúria, disúria, estrangúria e polaquiúria. Nos casos mais leves, geralmente os que pegamos bem no início, são daqueles pacientes que tem os tutores geralmente mais atentos, e relatam periúria, que é quando o gato começa a urinar fora do seu local habitual, como na cama do tutor, tapete da sala, etc.
e as imagens
Agora chegou a nossa vez seguidougs! Vamos falar das imagens!
Primeiro vamos deixar claro que a DTUIF pode ter duas apresentações: as obstrutivas e as não obstrutivas.
não obstrutivas
Nas DTUIFs não obstrutivas, os principais achados de imagens são os clássicos de cistite, como espessamento de parede urovesical, com ou sem irregularidade de superfície interna; variável quantidade de pontos ecóicos e/ou hiperecóicos, flutuantes e sedimentados. Pode haver urocistolitíase.
Nestes casos as vezes observamos espessamento da uretra (em sua porção avaliável) e se assim for, caracteriza uma uretrite.
Se essa porção avaliável da uretra estiver dilatada, podemos estar nos deparando com um quadro de DTUIF obstrutiva, clássica ou incipiente.
obstrutiva
Muitas vezes, ao colocar o paciente em decúbito dorsal, é possível observar uma proeminência, um abaulamento no abdômen caudal do gato, bem rígido, e isso certamente é a bexiga acentuadamente distendida.
O principal achado da DTUIF obstrutiva é a acentuada distensão urovesical. Além de todos os achados citados na DTUIF não obstrutiva, aqui podemos observar também: dilatação de uretra em sua porção avaliável, pielectasia bilateral ou unilateral (geralmente o rim esquerdo é afetado antes do direito); Efusão abdominal adjacente ao trígono vesical, associado ou não a hiperecogenicidade dos tecidos moles adjacentes.
para saber mais sobre pielectasia, clique aqui
A extrema distensão da bexiga pode promover isquemia mural e exposição da submucosa, neste caso predispondo hemorragia luminal e formação de coágulo urovesical. Estes podem parecer neoplasias, por terem formatos e apresentações variadas.
clique aqui para saber mais sobre o coágulo da imagem acima
A efusão abdominal é comumente observada, inicialmente, adjacente ao trígono vesical, decorrente tanto do processo inflamatório local quanto por passagem transmural, um ultimo recurso da bexiga de impedir sua rotura.
A avaliação Doppler renal pode em alguns casos auxiliar no diagnóstico temporal da obstrução, uma vez que o índice de resistividade da artéria renal se eleva nas primeiras 24 horas de obstrução, e os mecanismos intrínsecos renais estabilizam esse índice de resistividade para abaixo de 0,7 após essas 24 horas.
neste post falamos um pouco mais sobre doppler renal
Outros achados que podem estar relacionados à obstrução são gastrite (secundária à azotemia); edema pancreático interlobular (secundário à efusão abdominal) e peritonite.
A rotura da bexiga não é incomum e pode ser secundária à manobra de palpação e a cistocentese e nesses casos, geralmente são observados pontos de necrose mural.
Também é possível observar em alguns casos, pielonefrite por infecção ascendente.
Já a avaliação da uretra distal é difícil pelo ultrassom e recomendo a realização de radiografias para isso. As vezes o plug obstrutivo é bem distal e fica lindo de se ver ao Raio-X!
e a cistocentese?
A cistocentese pode ser indicada para a descompressão urovesical, e de forma emergencial. Neste caso é um procedimento clínico e não necessita da ultrassonografia como guia, uma vez que gatos obstruídos tem a bexiga facilmente palpável. Sugiro que esse procedimento seja realizado em uma clínica equipada pois, a rotura da bexiga é um grande risco nessa situação.
mas o clínico pediu
Vamos deixar bem claro: cistocentese guiada para coleta de urina é uma coisa. Cistocentese para descompressão de paciente obstruído é outra. No primeiro caso, é necessário guiar por nem sempre a bexiga é palpável, diferente do que acontece em pacientes obstruídos, onde a bexiga é palpável, rígida, e a ponto de 'explodir'. Se ela é palpável assim, por qual motivo o clínico mesmo não fez a punção? E se você fizer a cistocentese ela vai fazer 'PLOCK' na sua mão ou na mão dele?
Sim, a bexiga faz PLOCK ao se romper, eu já vi isso acontecer quando uma veterinária encostou a mão na bexiga de um gato obstruído. Sim ela apenas encostou a mão, não tinha chego a palpar. Eu era estagiário e vi tudo, foi assustador.
resumindo: o que avaliar?
Se fosse criar um protocolo de varredura para felinos com DTUIF:
Graduar a repleção/distensão da bexiga;
Caracterizar o conteúdo luminal (debris, celularidade, sedimento, litíase, possível cristalúria);
Medir a espessura da parede da bexiga;
Avaliar a superfície interna da parede da bexiga;
Verificar a uretra proximal > se dilatada, medir o diâmetro;
Se espessada, medir a espessura da parede da uretra;
Observar se há efusão e/ou hiperecogenicidade de tecidos adjacentes ao trígono vesical;
Minuciosa avaliação renal e de tecidos retroperitoniais;
Medir a pelve renal para identificar possível pielectasia;
Pesquisar sinais de pielonefrite;
Atenção as adrenais (tendem a aumentar de tamanho por estresse imunológico);
Possível radiografia para avaliação de uretra distal.
Como informações adicionais que podem estar associadas aos quadros obstrutivos:
Avaliação Doppler renal para possível graduação de tempo de obstrução;
Pesquisa de efusão abdominal;
Pesquisa de sinais de peritonite.
Agora, resumindo os possíveis achados, de forma ascendente, podemos observar:
Dilatação/ectasia uretral;
Espessamento de parede uretral;
Sedimento/Litíase uretral;
Distenção urovesical;
Sedimento ecóico/hiperecóico urovesical;
Urocistolitíase;
Material organizado e amorfo, compatível com coágulo urovesical;
Espessamento de prede de bexiga;
Irregularidade da superfície interna da parede urovesical;
Efusão e hiperecogenicidade adjacente ao trígono vesical;
Pielectasia;
Sinais de pielonefrite;
Efusão abdominal com ou sem sinais de peritonite
Eu espero que vocês tenham gostado deste conteúdo seguidougs, até a próxima! Abaixo a relação de posts que podem de alguma forma complementar esse conteúdo:
Se você quer colaborar com imagens para complementar este post, entre em contato! Será muito bom ter sua colaboração e divulgar seu trabalho!
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