Alguns achados, por mais discretos que possam ser, podem estar associados a patologias importantes que devem ser incluídas nos diagnósticos diferenciais do seu relatório. Vamos comentar um pouco sobre estes achados.
relembrando um ponto importante da ultrassonografia intestinal
Como já comentei neste post, o trato gastrointestinal apresenta uma estratificação parietal bem definida, correspondendo as camadas histológicas da parede intestinal, que de dentro para fora, são: mucosa, submucosa, muscular e serosa que, intercalam hipo e hiperecogenicidade.
Cada segmento intestinal apresenta uma distribuição anatômica, espessura própria e uma relação distinta das diferentes camadas. O foco deste post refere-se exclusivamente à mucosa!
a mucosa intestinal
A mucosa intestinal é intensamente hipoecóica. Tão hipoecóica que só percebemos que ela não é anecóica quando temos água no lúmen (e olhe lá). Por ter essa ecogenicidade extremamente baixa, qualquer aumento de ecogenicidade é notável e se for na forma de pontos, ou estrias, estes apresentam-se hiperecóicos na mucosa, talvez por serem mesmo hiperecóicos ou talvez por consequência do elevado contraste com a mucosa hipoecóica.
Sabe o pixel das fotos que tiramos? As fotos que tiramos são na verdade uma junção de inúmeros píxels, que são pontos unidos para formar uma imagem. Na ultrassonografia, cada ponto que forma a imagem não recebe o nome de píxel, e sim de speckle.
Na mucosa intestinal podemos observar três tipos de alterações sendo hiperecóicas: speckle e estrias, sendo que as estrias podem ser paralelas entre si e perpendiculares ao eixo longo da mucosa intestinal ou podem ser únicas e longitudinais ao eixo longo da mucosa intestinal.
speckles na mucosa intestinal
Agora sabemos que cada ponto da imagem, na verdade se chama speckle, vamos falar pelo nome correto. Os speckles que apresem isolados e dispersos sobre a mucosa tem significado menos importante e geralmente estão associados ao período pós-prandial. Você pode descrever no seu laudo: Discreta/moderada quantidade de pontos/speckles hiperecóicos dispersos na parede duodenal (compatível com achado pós-prandial).
Como esse achado é bem comum e pouco relevante, não passei nenhuma imagem bonita para o meu arquivo pessoa. Prometo, quando achar uma imagem bem bonita, atualizar esse post com essa imagem!!
estrias paralelas
As estrias paralelas entre si e perpendiculares ao eixo longo da mucosa, estão relacionadas à dilatação dos ductos lácteos que estão presentes ali na mucosa intestinal. Essa dilatação é comumente observada em situações de linfangiectasia (opa, já ouvimos esse sufixo aqui né? Já sabemos em posts anteriores que ectasia refere-se à dilatação de estruturas tubulares, logo linfangiectasia corresponde a dilatação de ductos linfáticos que estão presentes na mucosa intestinal). Quando estes ductos se rompem a linfa extravasa para a parede intestinal, levando a seu espessamento (geralmente irregular). A linfangiectasia é uma das enteropatias com maior potencial de perca de proteínas, podendo levar a uma grave hipoproteínemia. A hipoproteinemia, por sua vez, reduz a pressão oncótica que predispõe ao extravasamento de fluidos do espaço intra-vascular para os espaços extra-vasculares, gerando edemas e efusões. Por isso, um achado comum, associado à linfangiectasia é a detecção de efusão abdominal.
A descrição desse achado na mucosa é muito importante para diferenciar de outras patologias intestinais, então vamos lá:
Moderada/acentuada quantidade de estrias hiperecóicas paralelas, dispostas perpendicularmente ao eixo longo da mucosa duodenal, associada a espessamento e irregularidade de parede.
Nas imagens acima, enviadas pela seguidoug Roberta Duranti, podemos observar as estrias paralelas em toda a mucosa duodenal, e além disso o líquido livre abdominal, provavelmente transudato secundário à hipoproteinemia.
estrias longitudinais
Uma linha hiperecóica, muito tênue (fina), longitudinal ao maior eixo da mucosa e paralela à submucosa as vezes pode ser observada. Essa linha corresponde a uma fibrose na musculatura que existe na mucosa, chamada "muscular a mucosa". Quando essa linhabserva-sa, podemos dizer que esse segmento intestinal apresenta-se em aspecto de multicamadas, pois a mucosa (camada única, anecóica) apresenta-se agora em três camadas: hipoecóica, hiperecóica e hipoecóica novamente, antes de vir a camada hiperecóica correspondente à submucosa. Não se sabe especificamente o seu significado mas sim, parece estar associada a a lesões crônicas e já foi identificada em gatos com e sem sinais clínicos ativos de doença inflamatória gastrointestinal (Griffin, 2019). Aliás, este achado eu só vi (e só ouvi falar) em gatos!
Nestas imagens acimas, gentilmente cedidas pelo meu amigo Marco Antonio, podemos observar esse aspecto multicamadas. A mucosa que sendo uma única camada, nesse caso subdividida em três (duas hipoecóicas separadas por uma tênue camada hiperecóica). Outro sinal de enteropatia crônica nessas imagens é o espessamento da camada muscular, que inclui doença inflamatória intestinal crônica e linfoma como diagnósticos diferenciais.
em resumo...
Pós-prandial: Presença de speckles dispersos na mucosa duodenal
Linfangiectasia: Estrias hiperecóicas paralelas, dispostas perpendicularmente ao eixo longo da mucosa
Enteropatia crônica com fibrose de muscular da mucosa: Estria hiperecóica disposta longitudinalmente ao eixo longo da mucosa intestinal, promovendo aspecto multicamadas.
na impressão diagnóstica
Nos meus laudos/relatórios eu costumo ser generalista primeiro e depois, se necessário, mais específico. O aspecto pós-prandial não costumo colocar na impressão diagnóstica, geralmente coloco entre parenteses na própria descrição do achado, agora os demais eu classifico como Enteropatia difusa duodenal ou jejunal (geralmente observamos nesses locais, mas pode ser qualquer segmento que você observar) de aspecto crônico (e aqui no parênteses qual situação/patologia acredito ser).
outra condição comum em intestino é o processo obstrutivo, e clicando aqui você acessa uma aula post especial sobre isso!
referências
GRIFFIN, Sally. Feline abdominal ultrasonography: whats's a normal? What's a abdnormal? The diseased gastrointestinal tract. Journal of Feline Medicine and Sugery, 2019.
MARSILIO, S. Feline chronic enretopathy. Journal of small animal practice. 2021.
agradecimentos
Meus agradecimentos para os colegas e amigos que contribuíram com imagens tão didáticas:
Roberta Duranti (@duranti.usvet) - Duranti Ultrassonografia Veterinária - Porto Alegre/RS
Marco Antonio Valentine Ferreira (@marcoantoniovalentine) - UltraVet Diagnóstico Veterinário - Curitiba/PR, também composta pelos médicos veterinários Marcelo Coradin (@marcelocoradin) e Giovana Paladino (@gipaladino).
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