Pois é seguidougs, depois de alguns anos atuando em ultrassonografia (14 anos de formado, mais 04 anos de estágio), eis que pela primeira imagem que sugeri neoplasia em vesícula biliar.
Só por essa introdução, vocês já podem tirar uma conclusão: é algo relativamente raro! E sim, as neoplasias de vesícula biliar não são nem um pouco comuns mas, seu aspecto não deixa muitas dúvidas, pois poucas situações geram imagens como as que vamos conferir neste post. É claro que, compartilhar o caso com colegas experientes (como eu fiz), ter uma rede de apoio auxilia ao bater o martelo sobre o diagnóstico, até mesmo pelo prognóstico: eu sabia que a indicação dos clínicos e cirurgiões responsáveis pelo caso seriam a remoção da vesícula biliar e, não é todo dia que indicamos uma decisão assim, não é mesmo?
Por ser uma situação incomum, eu nunca tinha acompanhado um caso assim, e muito menos sabia se a maior prevalência de neoplasias de sistema biliar seriam de neoplasias benignas ou malignas, então, bora estudar né.
na literatura
Claro, poucos relatos. O artigo mais recente que encontrei foi deste ano (2023), publicado por MacLeod et al e, o mais legal dele é que descreve a aparência ultrassonográfica de 15 casos de neoplasia de vesícula biliar, sendo 14 em cães e 1 em gato.
As aparências dos casos eram variadas, sendo alguns que se assemelham até mesmo a sedimentos, por isso a mudança de decúbito se faz importante. Outros se apresentavam realmente com aspecto de massa, alguns ocupando até mesmo quase que a totalidade do lúmen da vesícula biliar e, apesar da variedade de aspectos, uma característica neles é comum: a presença de sinal Doppler.
Através do mapeamento colorido, pode-se observar distribuição vascular nas neoplasias de vesícula biliar. Este achado é muito importante para embasarmos o nosso diagnóstico, uma vez que grumos ou coágulos aderidos a parede, que seriam diagnósticos diferenciais, não apresentariam esta característica.
As neoplasias de vesícula biliar que foram diagnosticadas neste trabalho foram: carcinoma neuro endócrino (8 casos), leiomioma (3 casos), linfoma (1 caso), metástase de tumor estromal gastrointestinal (1 caso), carcinoma colangiocelular (1 caso, em felino) e adenoma (1 caso).
Algo que achei interessante é que, em nenhum dos casos deste artigo, os processos neoplásicos geraram obstrução biliar. Achei particularmente interessante pois no meu caso (que vou comentar a seguir) como a maioria das formações era em região de colo para ducto cístico, meu medo era justamente esse: uma hora vai obstruir!
sobre o caso que peguei
A paciente é uma Yorkshire de aproximadamente oito anos, que eu já acompanhei em outros momentos, onde não apresentava a imagem característica.
Nas outras vezes que necessitou de atendimento, a tutora relatava sensibilidade alimentar, caracterizada por vômitos e diarreia sempre que a York ingeria algo diferente da ração.
Pois bem, desta vez ela veio com histórico de episódios de vômito, sensibilidade abdominal e uma moderada elevação da fosfatase alcalina. E durante o ultrassom, voilá!!
A vesícula biliar apresenta moderada repleção (aproximadamente 5ml) por conteúdo luminal anecóico, com moderada quantidade de sedimento ecóico; Parede discretamente espessada, hiperecóica, com superfície externa lisa e presença de inúmeras formações vegetantes, irregulares, heterogêneas, que medem até 1,1cm, com distribuição vascular ao mapeamento colorido.
Essas estruturas eram tão heterogêneas que a impressão que me dava é que seriam esponjosas sabe? Pois em alguns momentos parecia haver também bile entre as irregularidades de seus contornos. Como eu disse antes, a maioria destes achados eram na região de colo pra ducto cístico então meu medo era que em algum momento isso viesse a obstruir.
dicas
A paciente estava com dor mas era muito comportada, então a realização do exame foi facilitada. Como a localização da vesícula biliar é muito próxima do arco costal e do diafragma, o estudo Doppler fica um pouco dificultado, então é necessário paciência e as vezes, pedir para alguém assoprar o focinho do paciente, para que ele segure um pouco a respirar por alguns instantes e que você consiga uma imagem diagnóstica.
O Doppler colorido precisa ainda estar com o PRF/Escala bem baixo, pois imagine o quão fino deve ser um vaso de um nódulo que se originou na parede da vesícula biliar, e esse calibre tão minúsculo vai conter um fluxo de baixa velocidade.
todavia...
Apesar dessa ser a primeira vez que pego uma neoplasia em vesícula biliar, em ducto biliar eu já peguei uma vez! Uma gatinha idosa que veio para pesquisa de metástase e encontrei um nódulo em ducto biliar comum e um em papila duodenal, porém, não tive retorno sobre qual processo neoplásico era.
Já a vesícula biliar deste caso, foi removida e enviada para histopatológico e, quando chegar o resultado, atualizo vocês!
Sempre maravilhoso pra ensinar.