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ultrassonografia do estômago

Preciso dizer que a ultrassonografia do estômago (na verdade, do trato gastrointestinal em si) foi uma das vilãs do meu exame por muitos anos. Mas com o tempo, vamos pegando prática, experiência e conhecendo melhor nosso exame, nossas limitações e as limitações da técnica.

Assim como todas as estruturas que avaliamos, interpretar os achados gástricos requer conhecimento do histórico do paciente, entender anatomia, histologia, fisiologia, clínica... e, se aprofundarmos um pouco mais: hemodinâmica hepática, patologia clínica... sim, vocês vão perceber que é necessário saber de tudo isso ao longo do post.


tem que saber anatomia?

Claro que tem! Devemos lembrar que o trato digestivo é um tubo único, que sofre modificações estruturais durante seu percurso. No abdômen, podemos observar parte do esôfago (esôfago abdominal) passando ventralmente à aorta pelo forame do diafragma.

Geralmente observo uma camada muscular mais espessa nessa porção e, podemos observar também o esôfago formando a cárdia, com o lúmen discretamente voltando-se para a esquerda. Na região epigástrica esquerda, temos o fundo gástrico, com suas pregas bem evidentes, que se assemelham a vilosidades.

O corpo gástrico é uma transição para o antro, com trajeto luminal tendendo ao abdômen direito, e ao fazer uma discreta curva craniolateral à direita, observamos o piloro que, no cão é bem lateralizado cranialmente à direita e no gato, fica um pouco mais mediano no abdômen.

na aula post de processos obstrutivos intestinais, temos um vídeo mostranso refluxo gastro-esofágico, clique aqui e confira!

e histologia, tem que saber?

Tem! Ô se tem! Eu tive muita sorte em ter uma professora de ultrassonografia superfera em histologia e histopatologia (Profa. Dra. Andréia Regis). Ela também foi minha professora de histologia então tive uma boa base para iniciar meus estudos. Uma coisa básica que devamos saber é que, todo o trado gastrointestinal, de esôfago ao reto, é composto por uma parede de 4 camadas histológicas (mucosa, submucosa, muscular e serosa). De cabo a rabo tem a mesma configuração. O que muda é a proporção, a espessura de cada camada e isso se deve a função do segmento avaliado e seus componentes intrínsecos, como glândulas, tecido linfoide, etc.

Eu garanto que se você, hoje, pegar um livro de histologia para ler sobre estômago e intestino, você vai se surpreender como tudo faz sentido!

No estômago, não é diferente, temos quatro camadas bem definidas, e na ultrassonografia incluímos uma, a interface do lúmen com a mucosa. A diferenciação das camadas damos o nome de estratificação parietal.

Na região pilórica, observamos uma diferença na estratificação parietal, evidenciando um espessamento bem importante da camada submucosa, bem hiperecóico!



preparo do paciente

Questionável? Sim! As vezes o animal está sem jejum e a avaliação fica ótima! Outras vezes, nem com o jejum conseguimos aquela imagem diagnóstica que queremos. Isso se dá devido a, geralmente, falta de suspeita clínica para a indicação do exame. Vou tentar explicar o porquê.

Quando a suspeita clínica envolve situações de avaliação gástricas, eu gosto de solicitar jejum alimentar sim, pois alguns dos parâmetros de avaliação incluem o esvaziamento gástrico e as condições da ingesta por exemplo.

Um animal com estômago cheio, sendo que está há seis, oito, doze horas sem comer? Provavelmente há algo errado.

Como avaliamos esse esvaziamento gástrico em um paciente que acabou de comer? Sim, isso acontece geralmente nos meus atendimentos da tarde, quando o tutor dá almoço aos pacientes.

Um preparo interessante é o alimento pastoso! Não deixa o paciente com fome e não atrapalha a nossa avaliação. Se o paciente se alimentar exclusivamente de alimento pastoso a partir de 24 horas antes do exame, o jejum total legal é de apenas duas horas (ideal para gatos e filhotes).

Já o conteúdo fluido pode ter duas interpretações: ingestão líquida ou fluido inflamatório (secundário à gastrite).


alimentos sólidos podem mimetizar corpos estranhos e, para saber mais sobre corpo estranho, clique aqui e confira uma aula especial!

como você faz doug?

Atualmente, eu solicito jejum sólido de 12 horas e jejum hídrico de 02 horas. O Jejum alimentar de 12 horas auxilia nos dando a informação se há ou não retardo de esvaziamento gástrico, além de ser fundamental na mensuração do volume da vesícula biliar (se necessário). Já o jejum hídrico nos auxilia mostrando que, se mesmo em jejum hídrico, há líquido gástrico, este líquido realmente foi produzido ali (gastrite).


o jejum de 12 horas também é importante caso haja necessidade de quantificar o volume da vesícula biliar. saiba mais sobre vias biliares clicando aqui

conteúdo luminal

O mais variável possível né seguidougs! Dentro do estômago podemos encontrar de tudo (de tudo mesmo). Gás? Sim! Alimento? Sim! Líquido? Sim! A quantidade também é variável e a nossa descrição deve conter as características ultrassonográficas observadas, incluindo os artefatos.

A descrição do conteúdo luminal varia de acordo com o que encontramos. Conteúdo luminal de aspecto alimentar é aquele que apresenta variável ecogenicidade, algumas áreas formadoras de sombra acústica que é totalmente dependente do conteúdo ingerido. A ração ainda sólida pode formar sombra acústica que mimetiza um corpo estranho. Uma coisa legal de observar no estômago são os legumes cozidos. Geralmente apresentam formatos variados de contornos bem definidos, homogêneos e hipoecóicos. O conteúdo alimentar costuma ser móvel, na dependência do peristaltismo.

Corpos estranhos gástricos podem ter os mais variados formatos (inclusive ser amorfo), formam sombra que predominantemente é limpa, ocasionalmente é menos definida (suja).

A descrição do corpo estranho deve incluir a porção em que ele se localiza, a mobilidade, a forma, o tamanho, a superfície e a formação de sombra acústica. Seguindo essa linha, certamente sua descrição de corpo estranho estará ótima! Características adicionais como retardo de esvaziamento gástrico e dilatação gástrica também podem ser incluídas.

O conteúdo fluido pode indicar algum grau de gastrite. Mas e se o animal tomou líquido pouco antes do exame? Na dúvida, reavaliação! O conteúdo fluido não deve ficar parado muito tempo no estômago.


espessura de parede

Como o conteúdo é variável, outros parâmetros de avaliação do estômago também podem variar um pouco. Quando a espessura está entre os valores de referência, descrevemos que ela está normoespessa. Se a mensuração superou o limite máximo, utilizamos o termo espessa. Logo mais você vai ler quais são os valores de referência para a parede gástrica.

Devemos lembrar que o espessamento de parede pode ser focal (em apenas um ponto da parede) ou difuso (na parede como um todo). Tanto o espessamento focal quanto o espessamento difuso devem ser interpretados com demais achados para que uma sugestão diagnóstica seja elaborada, incluindo seus diagnósticos diferenciais.


estratificação parietal

Como todo o TGI, o estômago deve ter boa estratificação parietal, as camadas da parede devem ser facilmente identificadas, sobretudo em equipamentos de boa resolução e sob adequada configuração da aquisição da imagem. Se na nossa avaliação as camadas estão bem definidas, colocamos no nosso relatório que a estratificação parietal está preservada.

Algumas vezes observamos que alguma camada está espessada com relação a proporção que normalmente observamos, e pode ser que esse espessamento interfira ou não na espessura total da parede. O espessamento de uma camada individualmente deve ser discriminado no relatório. Observem o vídeo abaixo.


quer saber mais sobre o edema de parede gástrica, seu aspecto e possíveis causas? clique aqui

O espessamento da camada submucosa nos felinos, não é obrigatoriamente algo patológico. Neles, sabemos que pode haver acúmulo adiposo na camada submucosa. Esse acúmulo adiposo não é exclusivo de felinos obesos ou em sobrepeso.


valores de referência

As vezes os amamos! E as vezes os odiamos, não é mesmo? Os valores de referência para a espessura do estômago estão estabelecidos e são 0,2cm a 0,5cm em cães e 0,2cm a 0,4cm em gatos (Penninck & D'Anjou, 2015). Lembrando que o ideal é que a mensuração seja feita entre pregas. Essa mensuração entre pregas pode ser mais difícil quando o estômago está totalmente vazio.


conclusões diagnósticas

No estômago (assim como em qualquer outro órgão) às vezes temos achados que são específicos e não nos deixam dúvidas quanto ao possível diagnóstico, enquanto outros achados podem ser confusos ou artefatos e conteúdo podem prejudicar a nossa acurácia, então os achados gástricos devem ser cautelosamente concluídos.

'Sinais discretos de Gastrite' (é uma conclusão que costumo usar), podem ser observados, apesar que as gastrites mais discretas podem passar desapercebidas no exame ultrassonográfico. Os sinais moderados e acentuados incluem o espessamento da parede e podem estar associados a reatividade dos tecidos moles adjacentes.

'Gastropatia difusa' costumo usar quando a parede está alterada como um todo, e essa alteração pode incluir a espessura e a definição e/ou relação da estratificação parietal, enquanto a 'Gastropatia focal' é usada quando encontramos alteração em determinada porção da parede, e podem incluir pólipos, achados nodulares, úlceras, etc...


e o piloro?

Ah, o piloro... Eu gosto de fazer vídeos mostrando a mudança na estratificação parietal na topografia pilórica. As principais patologias relacionadas ao piloro causam processo obstrutivo (total mas geralmente parcial) e os achados mais comuns incluem retardo de esvaziamento gástrico. A estenose de piloro é a condição em que a ingesta não consegue passar adequadamente para a porção proximal do duodeno, e para o diagnóstico as vezes conseguimos visibilizar um espessamento da parede pilórica (que pode sugerir hiperplasia de piloro ou algum processo neoplásico) ou o funcionamento mecânico pode estar comprometido.

Paciente em 10 horas de jejum, com evidente retardo de esvaziamento gástrico (notar importante quantidade de ingesta em lúmen) que pode estar associado a aparente disfunção mecânica do piloro



Corte longitudinal da transição de piloro à duodeno, da mesma paciente, alguns meses depois da imagem anterior






Com transdutor linear, podemos visibilizar com mais detalhes essa região e observamos a importante irregularidade da superfície mucosa da região pilórica. Esse espessamento irregular pode estar relacionado a hiperplasia glandular adenomatosa ou hipertrofia crônica. Biópsia é necessária para adequado diagnóstico.




Neste piloro vemos uma imagem hiperecóica e curva, formadora de sombra acústica limpa, compatível com corpo estranho. Observem a presença de estruturas hipoecóicas (compatível com legumes).



como perder o medo de avaliar estômago?

Pois é, existem vários protocolos de avaliação ultrassonográfica abdominal, vários preparos, que incluem ou não o jejum por exemplo. O que eu indico é: veja qual forma te trás mais segurança. Teste fazer exames em jejum, sem jejum, veja qual te dá mais segurança ao fazer as imagens descrever e interpretar. Com o tempo você vai percebendo a melhor forma de trabalhar. Todo preparo (ou falta de preparo) vai ajudar por um lado, e atrapalhar por outro, só você vai saber equilibrar essa balança e dizer qual lado pesa mais.


o conteúdo deste blog é destinado para médicos veterinários e estudantes de medicina veterinária

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